THIAGO GONÇALVES

REPORTAGEM

Cientistas encontram outro buraco negro 'perto' da Terra, e ele é diferente

Localização dos dois primeiros buracos negros descobertos pela missão Gaia na Via Láctea - ESA/Gaia/DPAC
Localização dos dois primeiros buracos negros descobertos pela missão Gaia na Via LácteaImagem: ESA/Gaia/DPAC
SÓ PARA ASSINANTES
Thiago Signorini Gonçalves
 

12/04/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Uma equipe de cientistas liderada por Kareem El-Badry, da Universidade de Harvard, descobriu um dos buracos negros mais próximos à Terra já observados. A apenas 3.800 anos-luz de distância, o sistema é peculiar por vários outros motivos. O resultado foi anunciado na semana passada.

Esse é o segundo sistema descoberto pela equipe; eu havia até comentado sobre o primeiro em coluna do ano passado.

El-Badry e seus colegas parecem determinados a fazer um levantamento completo de sistemas semelhantes, com enormes benefícios para o nosso entendimento sobre como esses objetos se formam.

Buracos negros, em geral, são descobertos pelo efeito que têm sobre seu ambiente. Devido ao forte campo gravitacional ao seu redor, costumam formar um disco de acreção, acelerando o material a grandes velocidades e aumentando tanto a sua energia que o disco é capaz de emitir radiação ultravioleta e raios-X.

Isso vale tanto para os buracos negros estelares, com massas semelhantes à do nosso Sol, quanto para os supermassivos, encontrados no centro de galáxias, com milhões ou bilhões de vezes a massa de uma estrela.

E se os buracos negros não apresentarem esse disco ao seu redor? Nesse caso seriam quase invisíveis, e muito mais difíceis de detectar.

A estratégia da equipe de El-Badry é procurar por buracos negros com estrelas vizinhas. Assim, a estrela parece estar orbitando um ponto vazio, e uma conta simples pode oferecer uma estimativa da massa deste ponto. Se há algum corpo massivo e escuro ali, provavelmente é um buraco negro.

O problema é que, para isso, é necessário medir com enorme precisão a posição dessa estrela ao longo do tempo, para calcular os parâmetros de sua órbita — algo que não é simples tendo em vista que estamos falando de distâncias de vários milhares de anos-luz.

Aí entra a necessidade do telescópio Gaia, um observatório espacial construído exatamente para isso. É o Gaia que monitora as estrelas de nossa galáxia e pode encontrar candidatas a companheiras de buracos negros.

Ainda assim, o trabalho não foi fácil.

O sistema BH2 descoberto pela equipe tem um período orbital de 1.277 dias, ou seja, a estrela e o buraco negro estão tão distantes que levam cerca de 3,5 anos terrestres para dar uma volta um ao redor do outro. O movimento é lento, e é difícil acompanhar a órbita com o Gaia.

Para complementar os dados, os cientistas fizeram observações com telescópios terrestres, para medir com mais precisão o movimento dessa estrela específica.

Os resultados batiam bem com as previsões, e a existência do buraco negro pôde ser confirmada, com cerca de 10 vezes a massa do Sol.

Tendo em vista o número de sistemas já encontrados e a dificuldade de observá-los, a equipe concluiu que devem ser muito comuns na galáxia. Estão lá, a dificuldade é construir equipamentos sensíveis o suficiente para poder detectá-los.

O grande problema agora é entender como o sistema se formou.

Segundo nosso entendimento, uma estrela que estivesse morrendo para virar um buraco negro como esse deveria passar por um momento de supergigante vermelha, essencialmente engolindo a companheira que estamos vendo agora. Então algo diferente deve ter acontecido.

Os autores afirmam que é possível que a estrela original fosse tão grande, com massa superior a 65 vezes a do Sol, que não teria nem se transformado em uma supergigante, mas que perdeu grande parte de suas camadas externas através de fortes ventos estelares, restando apenas o "caroço" que virou o buraco negro posteriormente.

El-Badry afirma que agora tem esperanças de detectar mais objetos semelhantes. Com mais tempo de observação com o telescópio Gaia, poderão encontrar mais candidatos, e quem sabe entender melhor como esses sistemas se formaram.

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE








THIAGO GONÇALVES

OPINIÃO

Como influenciadores deturparam caso das galáxias que não deveriam existir

Redes sociais foram tomadas pelo debate sobre "galáxias que não deveriam existir", mas nem tudo faz sentido para a ciência - Getty Images
Redes sociais foram tomadas pelo debate sobre 'galáxias que não deveriam existir', mas nem tudo faz sentido para a ciênciaImagem: Getty Images
SÓ PARA ASSINANTES
Thiago Signorini Gonçalves
 

10/03/2023 04h00

Ouvir artigo4 minutos

Na semana passada, eu acompanhei toda a discussão nas redes sociais sobre as tais "galáxias que não deveriam existir". Explico.

O telescópio espacial James Webb, em mais um de seus resultados importantes, descobriu algumas galáxias que parecem ser grandes demais para a época em que viviam. Lembrando: como estão a cerca de 13 bilhões de anos-luz de distância, estamos observando como elas eram quando o universo tinha apenas 500 ou 600 milhões de anos de idade.

E essas galáxias já eram enormes, segundo o artigo liderado por Ivo Labbé, da Universidade de Swinburne, Austrália. Mesmo tão cedo, elas já possuiriam 100 bilhões de estrelas, algo comparável à nossa própria Via Láctea, indicando um crescimento inicial muito rápido. O trabalho foi aceito para publicação na revista Nature.

É verdade, se confirmado, o resultado desafia o nosso entendimento sobre como galáxias se formam.

Nossos modelos mais tradicionais preveem galáxias pequenas, ainda em fase de crescimento, e é difícil explicar como tantas estrelas podem ter se formado tão rápido.

Temos que considerar a possibilidade de que as estruturas cresçam de forma mais eficiente no começo do Universo, e por isso mesmo dizemos que essas galáxias enormes, pelo menos segundo nossa compreensão atual mais conservadora, "não deveriam existir."

Um trabalho interessantíssimo, sem dúvida. E na verdade esse é um trabalho entre vários que vêm aparecendo nas últimas semanas, com resultados semelhantes obtidos com o mesmo telescópio.

Mas vamos com calma.

Primeiro, é preciso confirmar esses números. Esse tipo de medida é notoriamente difícil, e os próprios autores afirmam que devem observar estas galáxias com mais instrumentos para ter certeza de que são realmente tão grandes e massivas quanto parecem.

Isso é a discussão científica, e o debate gerado na comunidade acadêmica é saudável.

O que não é saudável, por outro lado, é a famosa treta de internet, que afoga a notícia em um mar de sensacionalismo.

O grande problema aqui é como os chamados influencers de ciência buscam, a todo custo, atrair cliques e likes com manchetes que em nada refletem o verdadeiro conteúdo da pesquisa. Pior, muitas vezes não são especialistas no assunto, e não conseguem distinguir o joio do trigo.

A consequência? Uma série de argumentos sobre a veracidade do Big Bang, e se o universo não teria nascido em uma época diferente.

Como estudioso da formação de galáxias, venho dizer para vocês:

Entendemos muito melhor a idade do universo do que o nascimento de galáxias nesta época. Sabemos bem onde estão as incertezas, e o James Webb está aí justamente para nos ajudar a entender essa formação —não para colocar em dúvida o Big Bang.

Vejam bem, não acho que a divulgação científica deva ser feita apenas por especialistas no assunto, muito pelo contrário. Afinal, muitos divulgadores sabem muito mais sobre a comunicação que os cientistas, que, convenhamos, muitas vezes são péssimos na frente de uma câmera ou uma plateia.

Mas a verdadeira divulgação científica vem da sinergia entre esses grupos, comunicadores e cientistas.

As redes sociais, no entanto, às vezes parecem deturpar essa ideia, misturando a figura de divulgador e especialista em apoio a um exacerbado culto à personalidade.

Quem sofre é o público, desprovido de informação confiável.

PUBLICIDADE

PUBLICIDADE

Comentários

Postagens mais visitadas